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Jaguaruna, no sul de Santa Catarina, é um dos lugares mais emblemáticos do Brasil quando o assunto é patrimônio arqueológico. Agora, a cidade volta aos holofotes com a exibição de um documentário que resgata a história milenar dos sambaquis da região — formações criadas por povos pré-históricos há milhares de anos. O filme não apenas homenageia essas estruturas monumentais, como também serve de alerta para sua urgente preservação.
Os sambaquis de Jaguaruna não são apenas formações curiosas compostas por conchas e ossos. Eles são registros arqueológicos de povos antigos que habitaram o litoral sul brasileiro entre 4.000 e 6.000 anos atrás. Esses povos, caçadores-coletores e pescadores, construíram com o tempo verdadeiros montes funerários que hoje chegam a dezenas de metros de altura. O documentário recém-lançado foca especialmente no Sambaqui Garopaba do Sul — considerado o maior do mundo — e nas histórias humanas e científicas por trás dessas estruturas.
A palavra “sambaqui” tem origem tupi e significa “monte de conchas”. Esses sítios arqueológicos são formados por resíduos orgânicos e inorgânicos acumulados por milhares de anos, incluindo restos de alimentos, esqueletos humanos, instrumentos de pedra e cerâmica. Mais do que depósitos, eles eram locais sagrados para enterros, cerimônias e habitação. Os sambaquieiros, como são conhecidos esses povos antigos, tinham uma cultura rica, sedentária e desenvolvida.
O documentário produzido por cineastas catarinenses conta com depoimentos de arqueólogos, antropólogos, moradores locais e defensores do patrimônio. Por meio de imagens aéreas e reconstruções digitais, o filme mostra o impacto visual e histórico dos sambaquis na paisagem costeira. Mas também revela as ameaças atuais: ocupações irregulares, construções em áreas de preservação, passeios de veículos motorizados e falta de políticas públicas consistentes.
Localizado na região de Jaguaruna, o Sambaqui Garopaba do Sul mede mais de 26 metros de altura, com uma área de mais de 5.000 metros quadrados. Trata-se do maior sambaqui conhecido no mundo. A sua importância é tão significativa que a região já foi considerada para candidatura a Patrimônio Mundial pela UNESCO. No entanto, sem cercamento ou vigilância adequados, o local sofre com vandalismo, erosão e invasões.
Moradores como Djeison de Souza Roling, que vivem próximos aos sítios arqueológicos, relatam frequentemente os danos causados por motos e carros que transitam livremente sobre os sambaquis. Já pesquisadores da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) estão há mais de duas décadas estudando os vestígios deixados nesses montes, mapeando artefatos e restos humanos, e revelando conexões entre diferentes povos pré-históricos que ocuparam a região.
O projeto “Sambaquis e Paisagem”, coordenado por arqueólogos da Unisul, investiga desde 1998 a complexidade do ambiente cultural da região. O grupo já identificou mais de 300 sítios arqueológicos no sul catarinense. O estudo aponta que, além dos sambaquieiros, povos Jê e Guarani também ocuparam a área, em diferentes períodos históricos. Essas descobertas reforçam a necessidade de proteger esses locais como patrimônio da humanidade.
Apesar de serem protegidos por legislação federal, muitos sambaquis em Jaguaruna permanecem vulneráveis. A legislação ambiental determina que uma área de 200 metros ao redor de cada sítio arqueológico seja considerada de preservação permanente (APP). No entanto, uma lei municipal reduziu esse raio para apenas 50 metros — decisão contestada pelo Ministério Público Federal (MPF), que ingressou com ação civil pública em 2011 contra o município.
A ação exige o cercamento dos sambaquis, a desapropriação de áreas ocupadas ilegalmente e a implementação de políticas de educação patrimonial. Até o momento, pouco foi feito de forma efetiva. O documentário reforça a urgência dessas medidas, exibindo imagens de construções irregulares e o descaso com esse patrimônio milenar.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também está envolvido na tentativa de proteger os sambaquis de Jaguaruna. Em conjunto com o MPF, o órgão busca alternativas para garantir que o município cumpra a legislação, realoque moradores e promova o turismo sustentável na região. Segundo o Iphan, a área possui relevância arqueológica internacional e merece atenção imediata.
Além das medidas judiciais e de fiscalização, o documentário aponta caminhos para a valorização dos sambaquis por meio da educação patrimonial e do turismo responsável. Guias locais, museus interativos e trilhas arqueológicas podem ajudar a transformar a relação da população com os sítios, gerando emprego e renda ao mesmo tempo em que conservam o patrimônio.
A exibição do filme em Jaguaruna contou com a presença de autoridades locais, representantes da comunidade acadêmica e moradores. O evento foi seguido por uma roda de conversa sobre as estratégias possíveis para proteger os sambaquis. A repercussão foi positiva e já se fala em levar o documentário para escolas públicas e festivais de cinema histórico em outras cidades.
O documentário sobre os sambaquis de Jaguaruna cumpre um papel essencial: resgatar a história de povos antigos, que deixaram legados visíveis até hoje, e alertar para os riscos iminentes que esses patrimônios enfrentam. A junção entre ciência, arte e ativismo dá voz a um território muitas vezes ignorado. Preservar os sambaquis é preservar a própria identidade humana. A produção audiovisual não é apenas um registro: é um convite à responsabilidade coletiva com a memória da nossa civilização.